Perturbação de Stress Pós-Traumático

Genericamente podemos dizer que um evento potencialmente traumático envolve uma experiência
avassaladora e repentina, percebida como uma ameaça ao bem-estar e à integridade física, emocional ou
psicológica do próprio indivíduo ou de outros que ele testemunha ou toma conhecimento (APA, 2013).
A exposição a eventos traumáticos constitui-se como uma experiência potencialmente explicativa de trauma
psicológico (Baumeister et al., 2016). A sua definição assenta na premissa de que o impacto crítico e extremo
de um stressor no funcionamento psicológico e biológico de um individuo, fragiliza a compreensão que o
mesmo mantinha do meio ambiente e origina a perda do sentido de previsibilidade e controlabilidade das
ocorrências. Exemplos comuns de eventos traumáticos incluem situações de combate, rapto, atos de
terrorismo, desastres naturais e humanos, homicídios e assaltos, violência física e sexual, acidentes de viação
e doenças com risco de vida (Flannery, 1999).

A maioria das pessoas experiencia pelo menos uma situação exigente durante o curso da sua vida. Na
população portuguesa, Albuquerque, Soares, Jesus e Alves (2003) encontraram valores de exposição a um
acontecimento traumático ao longo da vida na ordem dos 75%, sendo a taxa de exposição a mais que um
acontecimento traumático de 43,5%. As situações traumáticas mais referidas foram “Morte violenta de
familiar ou amigo” (29,3%), seguindo-se “Roubo ou assalto” (22,7%) e “Testemunha de acidente grave ou
morte” (22,2%). É de notar, no entanto, que apesar dos valores consideráveis de exposição a acontecimentos
traumáticos encontrados, existe uma grande heterogeneidade de trajetórias após estes eventos.

Torres Bernal e Mille (2011) enfatizam que não é o evento que determina se uma experiência é ou não
traumática para o indivíduo, mas sim a sua experiência subjetiva do mesmo. Esta experiência pode assim
depender de fatores como a severidade do evento, do historial pessoal do indivíduo, do significado alargado
que o evento representa, dos mecanismos de coping disponíveis, dos valores e crenças do indivíduo e do
suporte social que recebe. Nem todos os indivíduos têm reações que prejudicam o seu funcionamento
quotidiano, as suas relações próximas e a capacidade de prosseguir com as suas vidas. Algumas pessoas
escaparão sem efeitos a longo prazo, outras, porém, experienciam sofrimento e prejuízo significativo nas suas
vidas, nomeadamente nos domínios social, educacional e laboral.

Para melhor entender estes fenómenos, será útil entender previamente como é que o cérebro processa as
provações às quais o individuo está exposto. Ao originarem sensações de ameaça e desamparo, estes eventos
ativam os sistemas de alarme do cérebro, associados à resposta dos 3 F’s (Fight; Flight or Freeze- luta, fuga ou
imobilização), onde as respostas solução (luta ou fuga) serão naturalmente mais adaptativas do que as
respostas de não-solução (imobilização) (Bracha, 2004). Quando este alarme soa, múltiplas vias neuronais e
hormonais formam um mecanismo complexo de reação ao stress, iniciando uma cascata química que prepara
o corpo para se defender: o coração acelera, respiramos rapidamente e os músculos ficam tensos. Em alguns
casos estes sinais desaparecem à medida que as hormonas estabilizam e o indivíduo processa o evento
(Orcutt, Erickson, & Wolfe, 2004). Todavia, em outros, as reações persistem, contribuindo para o
aparecimento de sintomas clínicos que configuram o diagnóstico de uma perturbação pós-traumática. Não
compreendemos ainda totalmente o que acontece no cérebro, mas uma das teorias é a de que o cortisol, uma
das hormonas do stress, pode continuar a ativar a resposta dos 3 F’s, enquanto reduz a função cerebral,
originando vários sintomas negativos.

Quando os problemas duram mais de 1 mês, é diagnosticada a Perturbação de Stress Pós-Traumático, uma
entidade nosológica que se apresenta em quatro tipos de sintomas: revivência da experiência traumática
(pensamentos intrusivos, pesadelos recorrentes, flashbacks, sentir ou agir como se o acontecimento ainda
estivesse a ocorrer); evitamento de estímulos associados com o trauma (e.g., objetos, locais, pessoas);
alterações negativas na cognição e embotamento afetivo (amnésia para partes do trauma, humor negativo
persistente, diminuição do interesse nas atividades, medo, culpa, vergonha) e hipervigilância (comportamento
imprudente e/ou autodestrutivo, irritabilidade, raiva, problemas de sono, dificuldades de concentração, etc.)
(APA, 2013).

Em Portugal, a prevalência da Perturbação de Stress Pós-Traumático é de 7,9% (Albuquerque et. al., 2003),
sendo que as perturbações co-mórbidas mais prevalentes parecem ser o abuso ou dependência de substâncias
(75%), perturbação de ansiedade generalizada (44%) e depressão major (20%) (Kulka et al., 1990, cit. in
Creamer, Burgess, & McFarlane, 2001). A comorbilidade pode afetar a forma como se apresenta a Perturbação
de Stress Pós-Traumático e o seu desenvolvimento clínico.

Embora a causa subjacente ainda permaneça um mistério, são vários os fatores de risco que têm um papel
determinante na forma como a pessoa experiencia a perturbação, de entre os quais se destacam os fatores
genéticos e fisiológicos, a história de doença mental prévia, a exposição anterior a traumas, características de
personalidade, estratégias de coping desadaptativas, e o fraco suporte social existente (APA, 2013).

Apesar da complexidade da perturbação, existem soluções para a sua resolução. Se acha que sofre de
Perturbação de Stress Pós-Traumático, o primeiro passo é procurar um profissional de saúde mental para o(a)
avaliar e direcionar para o tratamento mais adequado. Se notar que um familiar ou amigo(a) sofre deste quadro,
saiba que o suporte e a empatia são fundamentais para auxiliar na recuperação desta “ferida escondida” que
não deve ser silenciada.